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quarta-feira, 7 de junho de 2017

O LIVRO DE TOBIAS


TOBIT, TOBIAS E SARA

Estou compartilhando o livro de Tobias, escrito por volta de 200 a.C., que narra a história da família de Tobit, casado com Ana e pai de Tobias. A Vida de Tobit é uma história muito interessante, um ensinamento de amor e fidelidade para os dias atuais.
A vida de Tobit e também de Sara, que se tornou sua nora, é marcada por muitas provações, mas também por experiências concretas da Providência de Deus que rege todas as coisas. Seu filho Tobias, que conhece Sara, protagoniza uma bela história de amor num relacionamento que, pela força da oração, culmina num feliz matrimônio. Porém, em toda trajetória de Tobit, Sara e Tobias foi preciso confiar em Deus e esperar mesmo diante de tempos difíceis.
A história desse homem de Deus, analisada a partir das boas obras do dia a dia, é um testemunho para o mundo de hoje, pois ser justo não é uma exceção nem privilégio para alguns, mas algo necessário para todos. E a postura de Tobit, frente a sua realidade ainda no contexto histórico do Antigo Testamento, demonstra já a preocupação em cuidar do próximo e a importância de ser família. Pois, trazendo para os dias de hoje, a Igreja já ensina que “ao criar o homem e a mulher, Deus instituiu a família humana e dotou-a de sua constituição fundamental” (Catecismo da Igreja Católica 2203), ou seja, o que se pode ver na história de família do livro de Tobias, que contempla já o fundamento indispensável, que é o âmbito familiar, o lugar de bênção e da presença de Deus.
Tobit e Sara demonstram o poder da oração frente às provações. Chegaram até a querer desistir da própria vida, mas a fidelidade e oração a Deus no amor, os redirecionaram para a vontade do Senhor, que é sempre o melhor e único caminho para a felicidade.
Vale lembrar que a esperança proporciona-nos alegria, mesmo em meio à provação, pois o próprio Jesus, após conferir aos discípulos a missão de evangelizar, garantiu a eles e a nós: “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28,20).
“Não te aflijas se não recebes imediatamente de Deus o que lhe pedes: pois Ele quer fazer-te um bem ainda maior por tua perseverança em permanecer com Ele na oração. Ele quer que nosso desejo seja provado na oração. Assim Ele nos prepara para receber aquilo que Ele está pronto a nos dar.”


O LIVRO DE TOBIAS - A SITUAÇÃO – INTRODUÇÃO

Capítulo 1

Livro da história de Tobit, filho de Tobiel, filho de Ananiel, fiho de Aduel, filho de Gabael, filho de Rafael, filho de Ragüel, da descendência de Asiel, da tribo de Neftali.
2             No tempo de Salmanassar, rei dos assírios, ele foi deportado de Tisbé, que fica ao sul de Cades de Neftali, na Galiléia setentrional, acima de Asor, no ocidente, a norte de Fogor.

3             VIDA PIEDOSA DE TOBIT
Eu, Tobit, andava nos caminhos da verdade e praticava boas obras todos os dias de minha vida. Dei muitas esmolas a meus irmãos e às pessoas da minha nação, vindos comigo para o cativeiro na região dos assírios, em Nínive.
4             Quando estava na minha pátria, na terra de Israel, sendo eu mais jovem, toda a tribo de Neftali, meu antepassado, separou-se da casa de Davi, meu pai, e de Jerusalém, a cidade escolhida entre todas as tribos de Israel. Nela, foi santificado o templo como casa de Deus, construído para que aí oferecessem sacrifícios todas as tribos de Israel, por todas as gerações.
5             Todos os meus irmãos e toda a casa de Neftali, meu antepassado, ofereciam sacrifícios ao bezerro que Jeroboão fizera em Dã, e isto em todas as montanhas da Galiléia.
6             Eu, porém, ia algumas vezes sozinho a Jerusalém nos dias festivos, conforme está prescrito para todo o Israel por um decreto perene. Eu levava comigo a Jerusalém as primícias, os primogênitos, os dízimos do rebanho e do gado e a primeira tosquia das ovelhas;
7             e dava-os aos sacerdotes, descendentes de Aarão, para o altar. Eu também ofertava o dízimo do trigo, do vinho, do óleo, das romãs e das outras frutas, aos levitas que estavam de serviço em Jerusalém. Quanto ao segundo dízimo, eu o calculava numa quantia correspondente a seis anos e o gastava cada ano em Jerusalém.
8             Quanto ao terceiro, entregava-o aos órfãos e viúvas e aos prosélitos, acrescentados aos israelitas. Eu o trazia e dava-o a eles de três em três anos, e nós o comíamos segundo o preceito referente a eles na lei de Moisés, e também segundo os mandamentos que nos deixara Débora, a mãe do meu pai Ananiel, nosso antepassado. Pois meu pai tinha morrido, deixando-me órfão.
9             Homem feito, casei-me com Ana, da descendência dos nossos parentes, e dela gerei um filho, a quem dei o nome de Tobias.
10           Depois de partir para o exílio entre os assírios, feito prisioneiro, cheguei a Nínive. Todos os meus irmãos e os que eram da minha etnia comiam dos alimentos dos pagãos,
11           mas eu tomei cuidado para não tocá-los.
12           Por isso, porque me lembrava do meu Deus de todo o coração,
13           o Altíssimo fez-me ganhar o favor de Salmanassar, de quem me tornei fornecedor de tudo quanto ele precisava.
14           Eu viajava para a Média, até sua morte, e ali fui depositando, em bolsas, dez talentos de prata, na casa de Gabael, irmão de Gabri, em Rages, na Média.
15           Depois que Salmanassar morreu, o filho dele, Senaquerib, ficou rei em seu lugar. As vias de acesso à Média se interromperam, e não pude ir mais para lá.
16           No tempo de Salmanassar, dei muitas esmolas a meus irmãos, os que eram da minha etnia.
17           Dava do meu pão aos que tinham fome, e roupas aos que estavam nus. Também, caso visse um compatriota morto e lançado fora dos muros de Nínive, dava-lhe sepultura.
18           Também sepultei os que Senaquerib matou, quando voltou da Judéia fugindo, pois o Rei do Céu o castigara por causa das blasfêmias que ele tinha proferido. Nessa ocasião, despeitado, matou a muitos israelitas. Eu recolhia os corpos às escondidas e os sepultava. Senaquerib mandava procurá-los, mas não mais os encontrava.
19           Um dos moradores de Nínive foi denunciar ao rei que era eu quem os sepultava, mas me escondi. Quando soube que o rei estava ao par do que eu fazia e que eu era procurado para ser morto, fiquei com medo e fugi.
20           Toda a minha propriedade foi confiscada e nada me restou que não fosse levado para o tesouro real. Só ficaram minha mulher Ana e meu filho Tobias.
21           Não haviam passado quarenta dias, e os dois filhos de Senaquerib o assassinaram e fugiram para as montanhas de Ararat. Seu filho Assaradon reinou em lugar dele e nomeou Aicar, filho do meu irmão Anael, para dirigir todas as finanças do seu reino, com poder sobre toda a administração.
22           Então Aicar intercedeu por mim, e eu pude regressar a Nínive. Esse Aicar tinha sido chefe dos copeiros, chanceler, administrador e encarregado das finanças durante o governo de Senaquerib, rei da Assíria, e Assaradon confirmou-o no cargo. Aicar era do número de meus irmãos e da minha parentela.


Capítulo 2

1             TOBIT NA PROVAÇÃO
Durante o reinado de Assaradon, voltei para minha casa, e minha mulher Ana e meu filho Tobias me foram restituídos. Em Pentecostes, que é uma festa nossa, a santa festa das Semanas, foi-me preparado um bom almoço. Reclinei-me para comer
2             e a mesa foi servida, com pratos em abundância. Disse então a meu filho Tobias: “Vai ver se encontras, entre nossos irmãos deportados em Nínive, algum pobre que tenha na mente o Senhor, de todo seu coração, e traze-o aqui, para que tome refeição comigo. Eu vou te esperar, até que voltes.
3             Tobias saiu à procura de um pobre entre nossos irmãos e, ao voltar, disse: “Meu pai!” Respondi-lhe: “Que há, meu filho?” E ele: “Há alguém de nossa nação que foi assassinado, lançado à praça pública e lá está, estrangulado”.
4             Imediatamente deixei o almoço, sem mesmo prová-lo, e fui buscar o corpo, removendo-o da praça para um esconderijo, até o sol se pôr. Então dei-lhe sepultura.
5             Voltando, tomei banho e fiz minha refeição com tristeza,
6             lembrando-me da palavra do profeta Amós, proferida contra Betel: “As vossas festas vão se transformar em luto, e todos os vossos cantos, em lamentação”.
7             Então chorei. Depois do pôr do sol, saí de casa, fiz uma cova e enterrei o morto.
8             Meus vizinhos zombavam de mim, dizendo: “Esse homem não tem mesmo medo! Já foi procurado, por esse motivo, para ser morto. Teve de fugir, e agora de novo anda sepultando os mortos!”
9             Nessa mesma noite, depois de tomar banho após tê-lo enterrado, saí para o pátio de minha casa e adormeci junto à parede, com o rosto descoberto por causa do calor.
10           Eu não sabia que havia pardais aninhados na parede, acima de mim, e seu excremento, quente, me caiu nos olhos, produzindo manchas brancas. Fui aos médicos, para me tratar. Mas quanto mais pomadas aplicavam, tanto mais os olhos cegavam, com as manchas, até que fiquei totalmente cego. Permaneci com os olhos inutilizados por quatro anos, deixando todos os meus irmãos consternados a meu respeito. Aicar me sustentou por dois anos, até sua partida para Elimaida.
11           Nessa situação, para ganhar dinheiro, minha mulher Ana fazia trabalhos femininos, fiando lã.
12           Entregava-os a seus patrões, e eles pagavam-lhe o salário. No dia sete do mês de Distros, ela concluiu uma peça de tecido e a entregou aos patrões, os quais lhe pagaram todo o salário e ainda lhe deram um cabrito.
13           Entrando o cabrito em nossa casa, começou a balir. Chamei então minha mulher e perguntei: “De onde é este cabrito? Será que não foi roubado? Devolve-o aos donos! Pois não podemos comer nada que seja roubado!”
14           Ela me disse: “O cabrito foi-me dado como gratificação, além do salário”. Eu, porém, não acreditei nela e continuei dizendo que restituísse o cabrito a seus donos. Por causa disso, sentia-me envergonhado diante dela. Então ela replicou-me: “Onde estão as tuas esmolas? Onde, as tuas boas obras? Vê que todas elas são reconhecidas só por ti!” 


Capítulo 3
1             ORAÇÃO DE TOBIT
Entristecido no meu íntimo, pus-me a suspirar e chorar, e comecei a orar entre gemidos:
2             “Tu és justo, Senhor, e são justas todas as tuas obras. Todos os teus caminhos são misericórdia e verdade, e tu julgas o mundo.
3             Agora, Senhor, lembra-te de mim e olha para mim. Não te vingues de mim por causa de meus pecados, pelas minhas faltas e as de meus antepassados, com as quais pecaram diante de ti.
4             Pois não obedecemos a teus preceitos, e por isso nos entregaste ao saque, ao cativeiro e à morte, ao escárnio, à zombaria e ao insulto em todas as nações entre as quais nos dispersaste.
5             Sim, todos os teus juízos são verdadeiros, os que me aplicas por causa de meus pecados e dos de meus antepassados, pois não agimos segundo os teus preceitos e não caminhamos com lealdade diante de ti.
6             Agora, faze comigo o que te aprouver. Manda que se receba o meu espírito e eu seja libertado da face da terra e me transforme em terra, pois é melhor para mim morrer do que viver. Tenho ouvido insultos que não mereço, e a tristeza é demais para mim. Manda, Senhor, que eu seja libertado desta angústia e deixa-me partir para a morada eterna. Não desvies de mim o teu olhar, Senhor, pois é melhor para mim morrer do que ver tanta aflição em minha vida e continuar a ouvir esses insultos”.
7             OS INFORTÚNIOS DE SARA
No mesmo dia, sucedeu que Sara, filha de Ragüel, que morava em Ecbátana, na Média, também teve de ouvir insultos de uma das criadas de seu pai.
8             O motivo é que ela fora dada em casamento a sete homens, mas Asmodeu, o demônio malvado, matava-os antes de terem relações com ela. “De fato”, dizia-lhe a criada, “és tu que matas os teus maridos! Já foste casada com sete homens, e com nenhum deles tiveste prazer!
9             Por que nos maltratas por causa dos teus maridos, por terem morrido? Vai juntar-te a eles, e que nunca vejamos filho ou filha nascidos de ti!”
10           Naquele dia, quebrantada em seu íntimo, a moça debulhou-se em lágrimas e subiu ao aposento superior de seu pai, com a intenção de se enforcar. Pensando melhor, porém, disse: “Poderiam ainda censurar meu pai e dizer-lhe: ‘Tinhas uma só filha, muito querida, e ela veio a se enforcar por tantos infortúnios!’ E assim eu levaria a velhice de meu pai, cheio de tristeza, à morada dos mortos! É melhor para mim, em vez de enforcar-me, suplicar ao Senhor que me faça morrer, para eu não ter mais de ouvir esses insultos na minha vida!” 
11           ORAÇÃO DE SARA
Naquele momento, ela ergueu as mãos para o lado da janela e pronunciou esta oração: “Tu és bendito, Senhor Deus misericordioso, e é bendito o teu Nome, santo e digno de honra pelos séculos. Bendigam-te todas as tuas obras para sempre.
12           Agora, Senhor, é para ti que levanto meu rosto e meus olhos.
13           Manda que eu seja libertada da face da terra para que não ouça mais esses insultos.
14           Sabes, Senhor, que estou pura de qualquer impureza com homem algum
15           e que não maculei o meu nome nem o nome de meu pai na terra onde me encontro deportada. Sou filha única de meu pai, o qual não tem outro filho para ser seu herdeiro; nem tem irmão ou parente próximo, para o qual eu deva reservar-me como esposa. Já perdi sete maridos. Para quê, então, continuar a viver? E se não te parece bem, Senhor, tirar-me a vida, manda que se tenha consideração e compaixão comigo, e que eu não ouça mais esses insultos”.
16           TOBIT E SARA ATENDIDOS
Na mesma hora foi ouvida a oração de ambos, na presença da glória de Deus.
17           E o anjo Rafael foi enviado para curar os dois: a Tobit, para tirar as escamas das manchas brancas de seus olhos, a fim de que pudesse enxergar com seus olhos a luz de Deus; e a Sara, filha de Ragüel, para dá-la como esposa a Tobias, filho de Tobit, e prender Asmodeu, o demônio malvado. De fato, é a Tobias que cabia receber Sara, em lugar de todos os que haviam querido possuí-la. Naquela hora, Tobit voltou do pátio para dentro de sua casa, enquanto Sara, filha de Ragüel, descia também ela do aposento superior.


Capítulo 4
1  A AÇÃO DIVINA TESTAMENTO DE TOBIT
Naquele dia, Tobit recordou-se do dinheiro que havia depositado com Gabael, em Rages, cidade da Média.
2             E disse consigo mesmo: “Eu pedi a morte. Por que não chamo Tobias, meu filho, e lhe falo, antes de morrer, desse dinheiro que depositei?
3             Chamou, pois, o filho, Tobias, que veio ter com ele. E disse-lhe: “Filho, quando eu tiver morrido, sepulta-me como convém e honra tua mãe. Não a abandones todos os dias de tua vida e faze o que lhe agrada. Não entristeças o seu espírito em coisa alguma.
4             Lembra-te dela, filho, que passou muitos perigos por tua causa quando estavas em seu seio. Quando ela falecer, sepulta-a junto a mim, na mesma sepultura.
5             Em todos os teus dias, filho, tem o Senhor na tua mente, e não consintas em pecar, nem em transgredir os seus mandamentos. Pratica a justiça todos os dias de tua vida e não sigas os caminhos da iniquidade.
6             De fato, se praticares a verdade serás bem sucedido em teus empreendimentos, como o serão todos os que praticam a justiça.
7             Dos teus bens, filho, dá esmola, e não desvies o rosto de nenhum pobre, para que de ti não se desvie a face de Deus.
8             Segundo o que tiveres, conforme a importância dos teus bens, dá a esmola. Se tiveres pouco, não receies dar a esmola desse pouco.
9             Assim garantes, para ti, um prêmio valioso no dia do infortúnio.
10           Pois a esmola livra da morte e não deixa ir para as trevas.
11           De fato, a esmola é uma oferenda valiosa para todos os que a dão na presença do Altíssimo.
12           Abstém-te, meu filho, de toda devassidão. Casa-te logo com uma mulher da descendência dos teus antepassados. Não escolhas mulher estrangeira, que não pertença à tribo do teu pai, pois somos filhos dos profetas: Noé, Abraão, Isaac, Jacó, nossos antepassados de outrora. Lembra-te, filho, que eles escolheram esposas da descendência dos seus antepassados e foram abençoados em seus filhos, e a sua descendência possuirá a terra como herança.
13           Quanto a ti, filho, ama os teus irmãos. Não desprezes em teu coração os teus irmãos e os filhos e as filhas do teu povo, deixando de escolher esposa dentre elas. No desprezo há muita ruína e perturbação e, na frivolidade, decadência e miséria extremas. A frivolidade é mãe da fome.
14           O salário de quem quer que seja, que tenha trabalhado contigo, não fique em tua casa, mas paga-o imediatamente. Assim, a tua renda não diminuirá e, se servires a Deus na verdade, hás de receber a quantia de volta. Sim, toma cuidado, filho, em todos os teus trabalhos, e sê sábio em todas as tuas palavras.
15           Assim, o que não gostas, não o faças a ninguém. Não bebas vinho até embriagar-te, e a embriaguez não te acompanhe em teu caminho.
16           Dá do teu pão a quem tem fome e da tua roupa aos que estão nus. Dá tudo o que tiveres em abundância, dá esmola, e não sejas mesquinho ao dar.
17           Reparte o teu pão e derrama vinho sobre a sepultura dos justos, mas não o faças aos pecadores.
18           Pede conselho a todo sábio e não desprezes nenhum bom conselho.
19           Em todas as circunstâncias bendize o Senhor e pede-lhe que se tornem retos os teus caminhos, e todas as tuas veredas e planos serão bem sucedidos. Todas as nações estão privadas de sabedoria e só o Senhor é quem a dá. A quem ele quer, exalta-o, e a quem ele quer, mergulha-o até o fundo da morada dos mortos. Agora, pois, filho, lembra-te dos meus preceitos, e eles não se apaguem do teu coração.
20           Mas devo ainda comunicar-te que depositei dez talentos de prata junto a Gabael, filho de Gabri, em Rages, na Média.
21           Não receies, filho, pelo fato de termos ficado pobres. Terás muitos bens, se fores temente a Deus e te mantiveres afastado de todo pecado, agindo sempre bem na presença do Senhor teu Deus”.


Capítulo 5
1             PREPARATIVOS DA VIAGEM
Então Tobias respondeu a seu pai, Tobit: “Farei tudo o que me ordenaste, meu pai.
2             Mas como poderei recuperar o dinheiro, se esse homem não me conhece, nem eu a ele? Que sinal lhe darei para que me reconheça, confie em mim e me entregue o dinheiro? Além disso, não conheço as estradas que levam à Média, para ir até lá!”
3             Tobit respondeu a seu filho, Tobias: “Ele me deu seu documento e eu lhe dei o meu, dividindo-o em duas partes. Cada um ficou com a sua, a dele ficando guardada com o dinheiro. Agora são passados vinte anos desde que depositei com ele essa quantia. Vamos, pois, filho, procura uma pessoa de confiança, que possa viajar contigo: nós lhe pagaremos um salário, até que voltes. Enquanto estou em vida, vai recuperar esse dinheiro!”
4             Tobias saiu à procura de alguém que pudesse ir com ele até a Média, e fosse conhecedor do caminho. Logo encontrou, de pé, à sua frente, o anjo Rafael, mas não sabia que era um anjo de Deus.
5             Disse-lhe então: “Moço, de onde és?” O outro respondeu: “Sou israelita, um de teus irmãos, e vim aqui para trabalhar”. Perguntou-lhe Tobias: “Conheces a estrada que vai para a Média?”
6             Ele respondeu: “Sem dúvida. Pois estive lá algumas vezes e tenho experiência e conheço todos os caminhos. Várias vezes fui à Média e me hospedei em casa de Gabael, nosso irmão, que mora em Rages, na Média. De Ecbátana até Rages são dois dias de caminho normal: Rages está situada na montanha, enquanto Ecbátana está em campo aberto”.
7             Disse-lhe então Tobias: “Espera um pouco, moço, enquanto aviso meu pai. Tenho necessidade de que vás comigo, e eu te pagarei o teu salário”.
8             O outro respondeu: “Fico esperando, mas não te demores”.
9             Entrando em casa, Tobias contou a Tobit, seu pai: “Encontrei alguém, um dos nossos irmãos, um israelita, que pode viajar comigo”. Seu pai lhe disse: “Chama o homem, para eu saber qual é o seu clã e qual a sua tribo, e se é de confiança para que te acompanhe, filho”.
10           Tobias saiu para chamá-lo: “Moço, meu pai te chama!” Ele entrou, e Tobit o saudou por primeiro. Ele então disse: “Desejo-te uma grande alegria!” Tobit respondeu: “Que alegria posso ainda ter? Sou uma pessoa sem a capacidade de enxergar, sem ver a luz do dia e andando nas trevas, como os mortos, que não veem a luz. Sou como um vivo entre os mortos: ouço a voz das pessoas e não as vejo!” O outro, porém, disse: “Coragem! Em breve serás curado por Deus, coragem!” Falou-lhe Tobit: “Meu filho Tobias pretende viajar para a Média. Poderias ir com ele e fazer- lhe de guia? Eu te pagarei o salário, irmão”. Ele respondeu: “Posso ir com ele, pois conheço todos os caminhos. Viajei várias vezes para a Média e percorri todas as suas planícies e montanhas, e sei de todas as passagens”.
11           Perguntou-lhe Tobit: “Irmão, de que família és tu e de que tribo? Responde-me, irmão!”
12           O outro disse: “Que te importa minha tribo?” Tobit insistiu: “Quero saber com certeza de quem és filho e qual o teu nome”.
13           Ele então falou: “Sou Azarias, filho do grande Ananias, um dos teus irmãos”.
14           Disse-lhe Tobit: “Sejas bem- vindo, irmão, e não te impacientes por eu ter querido saber a verdade e conhecer tua família. Tu és meu irmão e de boa e excelente origem! Conheci Ananias e Natã, os filhos do grande Semelias. Eles iam comigo a Jerusalém e aí prestavam seu culto de adoração comigo. Eles não se transviaram. Teus irmãos são pessoas ótimas e tu vens de raiz muito boa. Sê alegremente bem-vindo!”
15           E prosseguiu: “Eu te darei como salário uma dracma por dia, e tudo o que for necessário para teu sustento e de meu filho. Vai com ele,
16           e ainda te oferecerei uma gratificação”.
17           O moço respondeu: “Sim, vou acompanhá-lo, não temas. Iremos sãos e salvos e assim voltaremos, pois o caminho é seguro”. Disse-lhe Tobit: “Abençoado sejas, irmão!” Chamou então seu filho e disse-lhe: “Filho, prepara o necessário para a viagem e parte com o teu irmão. Deus, que está no céu, vos proteja e vos traga de volta sãos e salvos. Que o seu anjo vos acompanhe com saúde, meu filho!” Tobias saiu, para pôr-se a caminho, e beijou seu pai e sua mãe. Disse-lhe ainda Tobit: “Vai com saúde!”
18           Sua mãe, porém, começou a chorar e disse a Tobit: “Por que mandaste partir o meu filho? Não era ele o apoio de nossa mão, aquele que vivia sempre perto de nós?
19           Não se ajunte dinheiro a dinheiro, pois isso não vale nada em comparação com nosso filho!
20           Como o Senhor nos concedeu viver, isto nos bastava plenamente”.
21           Respondeu-lhe Tobit: “Não te preocupes. Nosso filho irá são e salvo e assim retornará a nós, e os teus olhos o verão no dia em que ele voltar a ti com saúde. Não te preocupes, não tenhas medo por ele, minha irmã.



Capítulo 6

1             Ela, então, parou de chorar.
2             A CAPTURA DO PEIXE
O jovem partiu e, com ele, o anjo. Também o cão saiu com ele e os seguiu. Puseram-se ambos a caminho até que os alcançou a primeira noite. Acamparam então às margens do rio Tigre.
3             Tobias desceu para lavar os pés no rio, quando um peixe enorme, saltando da água, quis devorar-lhe o pé. Tendo ele gritado,
4             o anjo lhe disse: “Agarra o peixe e não o deixes escapar!” Tobias conseguiu agarrar o peixe e puxou-o para a terra.
5             O anjo lhe disse: “Abre- o, separa o fel, o coração e o fígado e guarda-os contigo, e joga fora as entranhas. O fel, o coração e o fígado são úteis para remédio.
6             Abrindo o peixe, Tobias colheu o fel, o coração e o fígado. Depois, assou um pedaço, comeu e salgou o resto. A seguir, continuaram juntos a viagem, até que se aproximaram da Média.
7             Então, o jovem fez ao anjo esta pergunta: “Azarias, meu irmão, que remédio existe no coração e no fígado do peixe, e no fel?”
8             O anjo respondeu: “O coração e o fígado do peixe, se os queimares diante de homem ou mulher que sofram investida de um demônio ou espírito malvado, a investida cessará e não ficará mais com eles.
9             Quanto ao fel, serve para untar com ele os olhos do que tem manchas brancas, depois sopra-se sobre elas e a pessoa fica curada”.
10           PROJETO DE CASAMENTO DE TOBIAS
Tendo entrado na Média e já aproximando-se de Ecbátana,
11           disse Rafael ao jovem: “Tobias, meu irmão! Ele respondeu: “Que há?” O anjo continuou: “Devemos passar a noite na casa de Ragüel. Ele é teu parente e tem uma filha chamada Sara.
12           Ele não tem outro filho ou filha além de Sara, e tu és o parente mais próximo que todos os outros, com o direito de casar com ela. Também é justo que entres na posse dos bens de seu pai. Essa moça é sábia, corajosa e de grande formosura, e seu pai lhe quer muito bem”.
13           Disse ainda: “É justo, pois, que a recebas. Ouve-me, então, e falarei sobre ele esta noite, para que a recebamos como tua noiva. Quando tivermos voltado de Rages, celebraremos o casamento. Sei que Ragüel não pode recusá-la a ti. Pois ele sabe que, se a entregar a outro homem, este deverá morrer, segundo a sentença do livro de Moisés. Quem tem o direito de receber a herança e a filha dele, mais que qualquer outro, és tu. Agora, pois, meu irmão, escuta- me e falaremos sobre a moça esta noite, desposando-a contigo. Quando tivermos voltado de Rages, nós a receberemos e a levaremos conosco para a tua casa”.
14           Tobias respondeu a Rafael: “Azarias, meu irmão, ouvi dizer que ela já foi dada em casamento a sete homens, e todos morreram de noite, em seu quarto: quando estavam para aproximar-se dela, morriam. Ouvi algumas pessoas dizerem que um demônio os matou.
15           Por isso tenho medo, uma vez que esse demônio a ama e não faz nada para a moça, mas mata qualquer um que se aproxime dela. Sou filho único de meu pai. Se eu vier a morrer, levarei a vida de meu pai e de minha mãe para a sepultura, cheios de dor por minha causa. E eles não têm sequer outro filho, que possa sepultá-los”.
16           Retrucou-lhe o anjo: “Não te lembras das instruções de teu pai, como te mandou casar-te com uma mulher da mesma descendência dele? Agora, pois, escuta-me, irmão. Não te preocupes com esse demônio e aceita-a. Aliás, sei que esta mesma noite ela te será dada como esposa.
17           Quando entrares no quarto, toma do fígado e do coração do peixe e coloca-os sobre as brasas do incenso. O cheiro vai se espalhar, o demônio o sentirá, acabará fugindo, e nunca mais aparecerá em volta dela.
18           Quando estiveres para te unir a ela, antes levantai-vos ambos e orai e suplicai ao Senhor do céu, para que vos seja concedida misericórdia e saúde. Não temas. Ela foi destinada para ti desde sempre e tu a salvarás. Ela irá contigo e tenho certeza de que terás filhos com ela, os quais serão para ti como irmãos. Não fiques preocupado”.
19           Tendo Tobias ouvido as palavras de Rafael, que lhe assegurava que Sara era sua irmã e da descendência de seu pai, enamorou-se dela apaixonadamente e seu coração a ela se apegou.




Capítulo 7
CASAMENTO DE TOBIAS
Ao entrar em Ecbátana, Tobias disse: “Azarias, meu irmão, conduze-me logo à casa de meu irmão Ragüel”. De fato, o anjo o levou à casa de Ragüel, a quem encontraram sentado à porta do pátio da casa, e o saudaram por primeiro. Ele respondeu: “Também vos saúdo, irmãos, sede bem-vindos!” E os fez entrar.
2             Disse então a Edna, sua esposa: “Que parecido é este jovem com Tobit, meu irmão!”
3             Edna, por sua vez, os interrogou: “De onde sois, irmãos?” Eles responderam: “Somos dos filhos de Neftali deportados em Nínive”.
4             Ela continuou: “Conheceis Tobit, nosso irmão?” Responderam: “Sim, conhecemos”. Ela prosseguiu: “Está bem de saúde?”
5             E eles: “Está vivo e passa bem”. Tobias acrescentou: “É meu pai”.
6             De um salto, Ragüel o beijou entre lágrimas,
7             dizendo: “A bênção venha sobre ti, meu filho! Tens um excelente pai. Que grande desgraça ter ficado cego esse homem tão justo, que dava tantas esmolas!” E chorando, lançou-se ao pescoço de Tobias, filho de seu irmão.
8             Da mesma forma Edna, sua mulher, chorou sobre Tobias, como também Sara, a filha deles.
9             A seguir, matou um carneiro do rebanho e os acolheu calorosamente. Depois de se terem banhado e purificado, puseram-se à mesa. Disse então Tobias a Rafael: “Azarias, meu irmão, pede a Ragüel que me dê Sara, minha irmã.
10           Ragüel ouviu essas palavras e disse ao jovem: “Come e bebe e fica à vontade esta noite, pois a ninguém senão a ti, meu irmão, toca desposar Sara, minha filha. Aliás, não me é lícito entregá-la a outro homem senão a ti, que és o meu parente mais próximo. Contudo, vou dizer-te a verdade:
11           Já a dei a sete homens dos nossos irmãos, e todos morreram na noite em que iam aproximar-se dela. Agora, porém, meu filho, come e bebe, e o Senhor cuidará de vós”. Tobias, porém, disse: “Não comerei nem beberei nada, enquanto não confirmes o que me diz respeito”. Ragüel lhe respondeu: “Já o faço! Ela te é entregue segundo a sentença do livro de Moisés, pois é o céu que decide que ela seja tua esposa. Leva a tua irmã: de ora em diante, tu és seu irmão e ela é tua irmã. Ela te é dada a partir de hoje e para sempre. O Senhor do céu vos proteja esta noite e vos manifeste a sua misericórdia e a paz”.
12           Ragüel mandou chamar Sara, sua filha, e a apresentou a ele. Tomando-a pela mão, entregou-a a ele e disse: “Recebe-a conforme a lei e a sentença escrita no livro de Moisés, segundo a qual ela te é dada como esposa. Toma-a e leva-a sã e salva para a casa de teu pai. E o Deus do céu vos conceda uma viagem segura, em paz”.
13           A seguir, chamou a mãe da moça e mandou que trouxesse uma folha de papiro, para se fazer o registro do casamento. Aí devia constar que ele a entregava a Tobias como esposa, segundo a decisão da lei de Moisés. A mãe trouxe a folha, e ele escreveu e assinou.
14           Só então, começaram a comer e beber.
15           Ragüel chamou sua esposa Edna e lhe disse: “Minha irmã, prepara o outro quarto e conduze Sara para lá”.
16           Ela preparou o quarto, como o marido lhe dissera, e levou Sara para lá. Chorou por causa dela, mas, enxugando as lágrimas, disse-lhe:
17           “Coragem, minha filha. Que o Senhor mude a tua aflição em alegria, coragem!” E saiu.



Capítulo 8

1             A NOITE DE NÚPCIAS
Quando terminaram de comer e beber, quiseram dormir. Levaram o jovem e o acompanharam até o quarto.
2             Tobias então lembrou-se das palavras de Rafael, e retirou da sua bolsa o coração e o fígado do peixe e os colocou sobre as brasas do incenso.
3             O odor do peixe manteve à distância o demônio, que fugiu para as regiões mais remotas do Egito. Rafael foi até lá, prendeu-o e logo voltou.
4             Os outros tinham saído e fecharam a porta do quarto. Tobias levantou-se do leito e disse a Sara: “Levanta-te, minha irmã! Oremos e supliquemos a nosso Senhor, para que nos conceda misericórdia e saúde”.
5             Ela levantou-se, e começaram a orar e suplicar o Senhor, para que lhes fosse concedida a saúde. Esta foi a sua oração: “Tu és bendito, Deus de nossos pais, e é bendito o teu Nome pelos séculos dos séculos. Bendigam-te os céus e toda a tua criação por todos os séculos.
6             Tu fizeste Adão e lhe deste como auxiliar e amparo Eva, e de ambos surgiu a descendência humana. Foste tu que disseste que não era bom o homem ficar só: Façamos para ele uma auxiliar que lhe seja semelhante.
7             Agora, não é por luxúria que me caso com esta minha irmã, mas com reta intenção. Ordena que tenhas misericórdia, de mim e dela, e que possamos chegar, os dois, a uma ditosa velhice”.
8             Disseram ambos: “Amém, Amém”,
9            E dormiram, a noite inteira. Ao levantar-se, Ragüel mandou chamar seus servos, saíram e cavaram uma sepultura.
10           Pois, disse consigo: “Pode ser que ele tenha morrido, e seríamos alvo do escárnio e da injúria de todos!”
11           Tendo terminado de cavar, Ragüel voltou para casa, chamou sua esposa
12           e disse- lhe: “Manda uma das criadas, para que entre e veja se ainda está vivo; se morreu, nós o sepultaremos sem que ninguém o saiba”.
13           Mandaram a criada, acenderam a lâmpada e abriram a porta. Ela entrou e os encontrou deitados, ambos dormindo.
14           Voltando, a moça comunicou que ele estava vivo e que nada de mal tinha acontecido.
15           Então bendisseram o Deus do céu, dizendo: “Tu és bendito, ó Deus, com toda a bênção santa e pura, e te bendigam todos os teus santos e toda a tua criação! Todos os anjos e os teus eleitos bendigam-te por todos os séculos!
16           Tu és bendito, por que me alegraste e não sucedeu o que eu imaginava, mas agiste conosco segundo a tua grande misericórdia.
17           Tu és bendito porque tiveste compaixão de dois filhos únicos. Manifesta-lhes, Senhor, a tua misericórdia e salvação e faze que a sua vida decorra na misericórdia e na alegria”.
18           O FESTIM DAS BODAS
Então Ragüel mandou a seus servos que enchessem a cova antes que amanhecesse.
19           Mandou também à sua esposa que fizesse muitos pães. Depois, indo ao rebanho, trouxe duas vacas e quatro carneiros, mandou matá-los e começaram os preparativos.
20           Chamou então Tobias e intimou-o, sob juramento: “Durante quatorze dias não sairás daqui, mas aqui ficarás, comendo e bebendo comigo, e alegrarás minha filha, ainda magoada por tantos infortúnios.
21           Do que eu possuo, recebe a metade, e volta são e salvo para a casa de teu pai. A outra metade dos bens, quando tivermos morrido eu e minha esposa, será vossa. Coragem, filho! Eu sou teu pai e Edna é tua mãe. Nós somos teus e da tua irmã, desde agora e para sempre. Coragem, filho!”


Capítulo 9

1             O RESGATE DO DEPÓSITO
Então, Tobias chamou Rafael e lhe disse:
2             “Azarias, meu irmão, toma contigo quatro servos e dois camelos e vai até Rages, à casa de Gabael. Apresenta a ele o comprovante e recebe o dinheiro, e a seguir convida-o a vir contigo para as bodas.
3             Tu sabes que meu pai está contando os dias e, se eu tardar um dia que seja, vou causar-lhe grande tristeza.
4             Por outro lado, vês como Ragüel jurou, e eu não posso desprezar seu juramento”.
5             Rafael partiu, com os quatro servos e os dois camelos, para Rages da Média, e chegaram à casa de Gabael. Aí entregou-lhe o comprovante e informou o a respeito do filho de Tobit, Tobias, que havia casado com a filha de Ragüel e o convidava para as bodas. Gabael foi depressa pegar as sacolas, com os respectivos selos, contou o dinheiro e o carregou sobre os camelos.
6             Os dois madrugaram juntos e vieram para as bodas. Ao entrarem na casa de Ragüel, encontraram Tobias à mesa. Este levantou-se de um salto para saudá-lo, enquanto Gabael, chorando, o abençoou e lhe disse: “Bendito é o Senhor que te deu a paz, pois és o filho de um homem excelente e justo, e generoso nas esmolas! Que o Senhor do céu te conceda a bênção a ti e à tua esposa, e a teu pai e tua mãe, e ao pai e à mãe de tua esposa. Bendito é Deus porque posso ver Tobias, meu sobrinho, semelhante ao pai!”


Capítulo 10

1             A ESPERA DE ANA E DE TOBIT
Enquanto isso, desde a partida do filho, diariamente o velho Tobit computava os dias necessários para a viagem de ida e volta. Terminados os dias do prazo, e não chegando o filho,
2             ele disse: “Acaso ficou retido por lá? Ou Gabael morreu, e ninguém lhe entregou o dinheiro?”
3             E começou a inquietar-se.
4             Sua mulher, Ana, dizia: “Meu filho morreu, já não está entre os vivos! Por que está demorando?” E começou a chorar e a lamentar-se por causa do filho:
5             “Ai de mim, meu filho, que te deixei partir, luz de meus olhos!”
6             Tobit, por sua vez, lhe dizia: “Fica tranquila e não te preocupes, minha irmã, o nosso filho está bem! Decerto algum imprevisto os retém por lá: o homem que o acompanha é de confiança, pois é dos nossos irmãos. Não te aflijas por ele, minha irmã, que ele já vem!”
7             Mas ela retrucou: “Não me digas mais nada e não me enganes: meu filho morreu!” E saindo, ela diariamente observava o caminho, por onde o filho tinha partido. Nada comia. Ao pôr do sol ela entrava de novo em casa e passava a noite toda em lágrimas, sem dormir.
8             TOBIAS INICIA A VIAGEM DE VOLTA
Completados os quatorze dias das bodas que Ragüel havia jurado fazer para sua filha, Tobias veio ter com ele: “Deixa-me partir. Pois sei que meu pai e minha mãe não acreditam mais que me tornarão a ver. Peço-te, pois, pai, que me deixes partir, para que eu volte para a casa de meu pai: já te expliquei em que situação o deixei”.
9             Ragüel, porém, disse a Tobias: “Fica, meu filho, fica ainda comigo, e eu mandarei mensageiros a teu pai Tobit, para que lhe dêem notícias tuas”.
10           Tobias replicou-lhe: “De modo algum. Peço-te que me deixes partir agora, para a casa de meu pai!”
11           Levantando-se, então, Ragüel entregou a ele Sara, já sua esposa, bem como a metade de sua fortuna: servos e servas, ovelhas e bois, asnos e camelos, roupas e dinheiro e vários objetos.
12           Deixou-os partir e despediu-se deles, dizendo: “Passa bem, meu filho, e boa viagem! O Senhor do céu dirija bem os vossos caminhos, e que eu possa ver os vossos filhos, antes de morrer!”
13           Beijou então Sara, sua filha, e lhe disse: “Filha, sê respeitosa para com teu sogro e tua sogra, pois eles são doravante os teus pais, da mesma forma como estes que te geraram. Vai em paz, minha filha! Que eu possa ouvir boas notícias tuas enquanto eu viver”. Beijou-a e deixou-os partir. Antes, porém, Edna disse a Tobias: “Filho e irmão querido, que o Senhor do céu te conduza de volta, e que eu possa ver teus filhos, teus e de Sara, minha filha, antes de morrer, para eu alegrar-me diante do Senhor. Entrego-te minha filha em confiança. Não a magoes em nenhum dia da tua vida. Vai, meu filho, em paz. De agora em diante eu sou tua mãe, e Sara é tua irmã. Sejamos todos bem sucedidos em Deus, todos os dias de nossa vida!”
14           Assim despediu-se Tobias de Ragüel, alegre e bendizendo o Senhor do céu e da terra, rei de todas as coisas, por ter dado tão bom êxito à sua viagem. Bendizendo a Ragüel e a Edna, disse ainda: “Praza ao Senhor que eu vos possa honrar como a meus pais, todos os dias da vossa vida!”



Capítulo 11

1             A CURA DE TOBIT
Eles puseram-se em viagem e chegaram a Harã, situada para lá de Nínive.
2             Disse então Rafael a Tobias: “Sabes a situação em que deixamos teu pai.
3             Vamos à frente da tua esposa, a fim de preparar a casa enquanto ela e os outros chegam.
4             Adiantaram-se ambos, e Rafael disse ainda: “Mantém o fel ao alcance da mão”. Atrás deles ia o cão, seguindo a ele e a Tobias.
5             Ana estava sentada, observando o caminho por onde viria o filho.
6             Percebeu que ele vinha e disse ao pai: “Teu filho está chegando, como também o homem que foi com ele!”
7             Disse Rafael a Tobias, antes que ele se aproximasse de seu pai: “Sei que os olhos dele vão se abrir!
8             Aplica-lhe aos olhos o fel do peixe, e o remédio fará com que se encolham e se soltem as manchas brancas que o cegam. Teu pai recobrará a vista e verá de novo a luz!”
9             Ana veio ao seu encontro e lançou-se ao pescoço do filho, dizendo: “Filho, estou vendo-te, agora posso morrer!” E pôs-se a chorar.
10           Tobit levantou-se e, tropeçando, saiu para a porta do pátio. Tobias correu ao seu encontro,
11           com o fel do peixe numa das mãos, soprou-lhe nos olhos e, abraçando-o, disse: “Coragem, meu pai!” Aplicou-lhe então o remédio e esperou um pouco.
12           Então, com ambas as mãos fez com que se soltassem as manchas brancas dos cantos de seus olhos.
13           Vendo o próprio filho, Tobit lançou-se ao seu pescoço.
14           E, chorando, disse: “Estou vendo-te, meu filho, luz de meus olhos!” E disse ainda: “Bendito é Deus, bendito o seu grande Nome, e benditos todos os seus santos anjos por todos os séculos,
15           pois ele me tinha castigado, mas agora estou vendo de novo Tobias, meu filho!” E Tobit e Ana, sua mulher, entraram na casa felizes, e louvando a Deus de todo o coração por tudo o que lhes tinha acontecido. Tobias então contou ao pai que a viagem tivera pleno êxito com a ajuda do Senhor Deus, e que trouxera o dinheiro e ainda recebera Sara, filha de Ragüel, como sua esposa. E acrescentou que ela estava vindo e já se encontrava perto da porta de Nínive. A essas palavras Tobit e Ana redobraram de alegria
16           e saíram ao encontro da nora, junto à porta de Nínive. Quando os ninivitas viram Tobit vindo e andando com toda a segurança, sem precisar ser conduzido por ninguém, ficaram admirados.
17           Quanto a Tobit, ele confessava e bendizia a Deus em alta voz diante deles, proclamando que Deus tinha sido misericordioso para com ele e lhe abrira os olhos. Aproximando-se então de Sara, mulher de seu filho Tobias, abençoou-a e disse: “Sê bem-vinda, minha filha! E bendito o teu Deus, que te conduziu até nós! Bendito o teu pai e bendito Tobias, meu filho, e bendita sejas tu, minha filha! Sê bem- vinda à tua casa, com bênçãos e alegria! Entra, minha filha!” Naquele dia, foi imenso o contentamento de todos os judeus que viviam em Nínive.
18           O próprio Aicar e Nadab, dentre seus irmãos, vieram à casa de Tobias. E celebraram-se as bodas alegremente, durante sete dias, sendo-lhe oferecidos muitos presentes.


Capítulo 12

1             O DESENLACE - RAFAEL SE DÁ A CONHECER

Terminadas as bodas, Tobit chamou seu filho Tobias e lhe disse: “Temos de fazer o pagamento do homem que foi contigo, e ainda acrescentar-lhe uma gratificação”.
2             Tobias respondeu: “Pai, que pagamento vou fazer a ele? Não fico prejudicado se eu lhe der a metade dos bens que trouxe comigo.
3             Pois ele conduziu-me são e salvo, curou minha mulher, trouxe o dinheiro comigo e ainda te restituiu a saúde... que pagamento lhe poderei fazer?”
4             Disse- lhe Tobit: “É justo, meu filho, que receba a metade de todos estes bens que ele trouxe contigo”.
5             Tobias chamou-o e disse: “Como pagamento, recebe a metade de tudo o que trouxeste comigo, e vai em paz!”
6             Então Rafael chamou ambos à parte, e disse: “Bendizei a Deus e celebrai-o diante de todos os viventes, por todos os benefícios que ele vos fez, para que bendigais e canteis ao seu Nome. Publicai as obras de Deus com a honra que merecem, e não demoreis em celebrá-lo!
7             É bom manter escondido o segredo do rei, mas é honroso revelar e celebrar as obras de Deus. Fazei o bem, e o mal não vos atingirá.
8             É boa a oração com o jejum, e a esmola com a justiça. É melhor pouco com justiça, do que muito com iniquidade. Mais vale dar esmola do que acumular tesouros de ouro.
9             A esmola liberta da morte e purifica de todo pecado. Os que praticam esmola terão longa vida;
10           os que cometem pecado e iniquidade, são inimigos de si mesmos.
11           Eu vos declararei toda a verdade e não esconderei de vós coisa alguma. Já vos mostrei e disse: É bom manter escondido o segredo do rei, mas é honroso revelar as obras de Deus.
12           Pois bem, quando oravas, tu e Sara, eu apresentei o memorial da vossa prece na presença da claridade do Senhor. Da mesma forma o fiz, quando sepultavas os mortos.
13           Porque não hesitaste em levantar-te e deixar a refeição para ir sepultar um morto, eu fui enviado para pôr-te à prova.
14           Mas foi Deus também que me enviou para curar-te, e curar Sara, tua nora.
15           Eu sou Rafael, um dos sete anjos santos que assistimos diante da claridade do Senhor e entramos na sua presença”.
16           Ambos ficaram perturbados e caíram com o rosto em terra, tomados de medo.
17           Mas ele disse: “Não tenhais medo! A paz esteja convosco, e bendizei a Deus para sempre!
18           Quando eu estava convosco, isto não era por minha benevolência, mas pela vontade de Deus. Bendizei-o todos os dias, cantai para ele sem cessar.
19           Vós víeis que eu nada comia, mas dava a impressão de fazê-lo.
20           Agora, porém, bendizei o Senhor sobre a terra e celebrai a Deus. Eu subo para Aquele que me enviou. Assentai por escrito tudo o que vos aconteceu”. E subiu.
21           Levantaram-se então, mas não puderam mais ver o anjo.
22           E começaram a bendizer e cantar hinos a Deus, celebrando-o por todas estas suas grandes obras. E especialmente porque lhes tinha aparecido um anjo de Deus.


Capítulo 13
1             CÂNTICO DE TOBIT
E Tobit escreveu uma oração de júbilo, nestes termos:
2             “Bendito é Deus, que vive para sempre, e bendito é o seu Reino! Ele castiga e tem compaixão, faz descer até o fundo do Abismo e faz, pela sua majestade, voltar da perdição. Não há quem possa fugir de sua mão.
3             Celebrai-o, filhos de Israel, diante das nações para o meio das quais ele vos dispersou
4             e aí mostrou a sua majestade. Exaltai-o diante de todos os viventes, pois ele é o nosso Senhor, ele é o nosso Pai, ele é o nosso Deus por todos os séculos.
5             Ele vos castigará por causa de vossas iniquidades, mas terá compaixão de todos vós e vos reunirá de todas as nações onde quer que tenhais sido dispersos.
6             Quando tiverdes voltado para Ele de todo o vosso coração e com toda a vossa alma, para praticardes a verdade diante dele, então voltará para vós e não mais esconderá de vós a sua face. Agora, olhai o que ele fez convosco e celebrai-o em alta voz. Bendizei ao Senhor da justiça e exaltai o Rei dos séculos. Quanto a mim, celebro-o na terra do meu cativeiro e mostro sua força e majestade a um povo de pecadores. Convertei-vos, pecadores, e praticai a justiça diante dele. Quem sabe, ele talvez vos acolha e vos trate com misericórdia!
7             Eu e minha alma entoamos exultações ao Rei do céu e minha alma se alegrará todos os dias da minha vida.
8             Bendizei o Senhor, todos os eleitos e vós todos, louvai a sua majestade. Celebrai dias de alegria e proclamai-o.
9             Jerusalém, cidade santa, ele te castigará pelas obras de tuas mãos.
10           Celebra ao Senhor com boas obras e bendize o Rei dos séculos, para que a sua Tenda seja de novo edificada em ti com alegria e Ele faça em ti felizes todos os exilados, e ame em ti todos os infelizes, por todos os séculos dos séculos.
11           Uma luz fulgente brilhará em todos os confins da terra! Muitas nações virão a ti de longe, e das extremidades da terra, para o seu santo Nome, tendo em suas mãos ofertas para o Rei do céu; gerações de gerações virão dar-te alegria e o nome da Eleita permanecerá pelos séculos dos séculos.
12           Malditos, todos os que te falarem com dureza. Malditos, todos os que destruírem e derrubarem teus muros, e todos os que abaterem tuas torres e incendiarem tuas casas. Abençoados, porém, todos os que te temerem para sempre.
13           Alegra-te, pois, e exulta por causa dos filhos dos justos, pois todos serão reunidos e bendirão ao Senhor eterno.
14           Felizes, os que te amam. Felizes, os que se alegrarem com a tua paz. Felizes, também, todos os que se entristecerem por teus castigos, pois em ti se alegrarão e contemplarão toda a tua alegria para sempre.
15           Bendize, ó minha alma, ao Senhor, o grande Rei,
16           pois na cidade de Jerusalém se edificará a sua Casa para sempre. Eu serei feliz, quando alguém da minha descendência puder ver a tua glória e celebrar o Rei do céu. As portas de Jerusalém serão construídas com safira e esmeralda, e com pedras preciosas todas as tuas muralhas. As torres de Jerusalém serão edificadas com ouro, e as suas fortificações com ouro precioso.
17           As praças de Jerusalém serão pavimentadas com cristais e pedras de Ofir.


Capítulo 14
1             MORTE DE TOBIT
Assim terminaram as palavras de ação de graças de Tobit. Tobit morreu em paz aos cento e doze anos, e foi sepultado condignamente em Nínive.
2             Tinha sessenta e dois anos quando ficou cego. Depois que recuperou a vista, viveu na abundância e deu esmolas, e propôs-se bendizer a Deus e celebrar a grandeza de Deus.
3             Estando para morrer, chamou seu filho Tobias e lhe deu estas recomendações: “Meu filho, toma teus filhos
4             e parte para a Média. Pois eu creio na palavra de Deus proferida por Naum contra Nínive: tudo se realizará e desabará sobre a Assíria e sobre Nínive, aquilo que disseram os profetas de Israel, que Deus enviou. Tudo se realizará e nada será suprimido dessas palavras, mas tudo acontecerá nos tempos devidos. Na Média haverá mais segurança do que na Assíria e na Babilônia, pois eu sei e creio que tudo o que Deus disse acontecerá. Tudo se realizará, e não falhará uma palavra sequer do que foi dito. Os nossos irmãos, que moram na terra de Israel, todos serão dispersos e levados cativos para longe dessa terra venturosa. Toda a terra de Israel ficará deserta, como também a Samaria e Jerusalém. E a casa de Deus estará desolada e incendiada, e ficará no abandono por um tempo.
5             Mas Deus se compadecerá deles novamente e para eles se voltará, para a terra de Israel. E então eles reedificarão a Casa, mas não como antes, até que se complete o tempo das maldições. Depois, voltarão todos do seu cativeiro e reconstruirão Jerusalém com magnificência. Nela, a casa do Senhor será reconstruída, de acordo com o que dela disseram todos os profetas de Israel.
6             E todas as nações em toda a terra se converterão e temerão a Deus em verdade, todos abandonando seus ídolos, que os seduzem falsamente com a sua mentira.
7             Então bendirão, como é justo, ao Deus eterno. E todos os filhos de Israel, libertados naqueles dias, lembrados de Deus com sinceridade, serão reunidos e virão para Jerusalém. E habitarão para sempre com segurança na terra de Abraão, que lhes será dada. E se alegrarão, os que amam a Deus na verdade. Mas os que praticam a iniquidade e o pecado desaparecerão de todos os países.
8             Agora, filhos, eu vos recomendo: Servi a Deus na verdade e fazei diante dele o que lhe agrada. Ordene-se também a vossos filhos que pratiquem boas obras, especialmente a esmola, e se lembrem sempre de Deus e bendigam o seu nome em todo tempo na verdade e com todas as forças.
9             Quanto a ti, meu filho, sai de Nínive, aqui não permaneças.
10           No mesmo dia em que sepultares tua mãe junto de mim, no mesmo dia não permaneças no seu território. Pois vejo que é grande a iniquidade em seu meio, é grande a perfídia que nela se comete, e ninguém se sente envergonhado. Considera, filho, o que fez Nadab a Aicar, seu pai adotivo. Porventura não foi este quase enterrado vivo? Mas Deus retribuiu a infâmia ante os olhos da vítima, pois Aicar saiu para a luz, enquanto Nadab desceu às trevas eternas, por ter querido matá-lo. Por ter dado esmolas, Aicar escapou da armadilha mortal que lhe preparara Nadab, enquanto este caiu na própria armadilha mortal.
11           Assim, pois, meus filhos, vede o que faz a esmola, e o que faz a iniquidade: esta, traz a morte. Mas, agora, a minha alma se vai...” Deitaram-no então no leito, e ele morreu. E foi sepultado condignamente.

12           EPÍLOGO

Quando sua mãe morreu, Tobias sepultou-a ao lado de seu pai. Em seguida, partiu com sua mulher para a Média e passou a residir em Ecbátana, junto do sogro Ragüel.
13           Cuidou, como devia, da velhice dos sogros e sepultou-os em Ecbátana, na Média. Recebeu a herança da casa de Ragüel, bem como a de Tobit, seu pai.
14           E morreu, cercado de honra, aos cento e dezessete anos de idade.











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