Visões concedidas a Anna Catharina Emmerich
Livro: VIDA, PAIXÃO E GLORIFICAÇÃO DO CORDEIRO DE DEUS
A última ceia pascal
Jesus e
os seus comeram o cordeiro pascal no Cenáculo, divididos em três grupos de
doze, dos quais cada um era presidido por um chefe, que fazia às vezes de pai
de família. Jesus tomou a refeição com os doze Apóstolos, na sala do Cenáculo.
Natanael presidiu a outra mesa, numa das salas laterais e outros doze tinham
como pai de família Eliaquim, filho de Cleofas e Maria Heli, irmão de Maria Cleofas
e que fora antes discípulo de João Batista.
Três
cordeiros tinham sido imolados para eles no Templo, com as cerimônias do
costume. Mas havia lá um quarto cordeiro, que foi imolado no Cenáculo; foi o
que Jesus comeu com os doze Apóstolos.
Judas
ignorava essa circunstância, pois estava ocupado com diversos negócios e com a
traição e ainda não estava de volta, por ocasião da imolação do cordeiro; veio
alguns instantes antes da refeição pascal. A imolação do cordeiro destinado a
Jesus e aos Apóstolos foi uma cerimônia singularmente tocante; realizou-se no
vestíbulo do Cenáculo; Simeão, que era levita, ajudou. Os Apóstolos e os discípulos
estavam também presentes, cantando o salmo 118. Jesus falou então de uma nova
época, que começava; (veja n. 1 do primeiro capítulo) disse que então se devia
cumprir o sacrifício de Moisés e a significação do cordeiro pascal simbólico; o
cordeiro devia por isso ser imolado do mesmo modo que o do Egito, do qual só
então o povo de Israel sairia verdadeiramente liberto.
Os
vasos e tudo o que era mais precioso, estavam prontos; trouxeram um belo
cordeirinho, ornado de uma grinalda, que foi tirada e enviada à SS. Virgem, que
ficara com as santas mulheres em outra sala. O cordeiro foi amarrado pelo meio
do corpo numa tábua, o que recordou Jesus preso à coluna da flagelação. O filho
de Simeão segurou a cabeça do cordeiro para cima; Jesus cravou-lhe a faca no
pescoço, entregando-a depois ao filho de Simeão, que continuou a preparação do
cordeiro. Jesus parecia sentir dor e repugnância em feri-lo. Fê-lo rapidamente,
mas com muita gravidade. O sangue foi colhido numa bacia; trouxeram um ramo de hissopo,
que Jesus molhou no sangue. Em seguida avançou para a porta, tingiu com o
sangue os dois portais e a fechadura, fixando depois em cima da porta, o ramo
tinto de sangue. Durante esse ato, lhes ensinou solenemente e disse, entre
outras coisas, que o Anjo exterminador passaria ali; que fizessem, porém, a
adoração naquele lugar, sem medo e inquietação, depois dele, o verdadeiro Cordeiro pascal, ter sido imolado;
começaria um tempo e um sacrifício novo, que duraria até o fim do mundo.
Dirigiram-se
então ao fogão, no fundo da sala, onde outrora estivera a Arca da Aliança; já
estava aceso o fogo. Jesus aspergiu o forno com o sangue e consagrou-o como
altar; o resto do sangue e a gordura vazaram-nos no fogo, debaixo do altar.
Todas as portas estavam fechadas durante essa cerimônia.
Entretanto,
o filho de Simeão acabara de preparar o cordeiro pascal. Pusera-o numa estaca,
as pernas dianteiras fixadas num pau transversal, as traseiras na estaca. Ai!
parecia tanto com Jesus pregado na Cruz! Em seguida foi posto no forno, para
ser assado, junto com os outros três, trazidos do Templo.
Os
cordeiros pascais dos judeus eram todos imolados no átrio do Templo, em três
lugares diversos: para as pessoas de distinção, para a gente pobre e para os
forasteiros. O cordeiro pascal de Jesus não foi imolado no Templo, mas todo o
resto da cerimônia foi feita rigorosamente conforme a lei. Jesus falou mais
tarde a esse respeito; disse que o cordeiro era simplesmente um símbolo; que
Ele mesmo, na manhã seguinte, devia ser o verdadeiro Cordeiro pascal. Não sei
mais tudo quanto ensinou nessa ocasião.
Desse
modo instruiu Jesus os Apóstolos sobre o cordeiro pascal e sua significação.
Por fim veio também Judas. Tendo então chegado a hora, prepararam-se as mesas.
Os convivas vestiram as vestes da cerimônia, que se achavam no vestíbulo; outro
calçado, uma veste branca, à maneira de túnica ou camisa e por cima um manto, curto
na frente e comprido atrás; arregaçaram as vestes com o cinto, sendo também as
mangas largas arregaçadas. Era o traje de viagem, prescrito pela Lei mosaica.
Assim se dirigiu cada grupo à respectiva mesa; os dois grupos de discípulos
para as salas laterais, o Senhor e os Apóstolos à sala do Cenáculo. Tomando todos
um bastão na mão, caminharam, dois a dois, para a mesa, onde ficaram em pé
diante dos respectivos lugares, os bastões encostados nos braços e as mãos levantadas.
Jesus, que estava no meio da mesa, recebera do mordomo dois pequenos bastões,
um pouco recurvados em cima, semelhantes a cajados curtos de pastores. Tinham
em cima uma forqueta, a maneira de ramo cortado. Jesus pô-Ios à altura da
cintura, em forma de cruz, diante do peito e durante a oração colocou os braços
estendidos sobre as forquetas.
Nessa
atitude tinham os movimentos do Mestre algo de singularmente tocante e parecia servir-lhe
de apoio a cruz, que em pouco devia pesar-lhe sobre os ombros. Nessa posição
cantaram:
"Bendito
seja o Senhor, Deus de Israel" e "Louvado seja o Senhor, etc.".
Terminada a oração, Jesus deu um dos bastões a Pedro e o outro a João.
Puseram-nos de lado ou fizeram-nos passar de mão a mão, entre os outros discípulos;
já não me lembro mais exatamente.
A mesa
era estreita e tão alta, que passava meio pé acima dos joelhos de um homem;
tinha a forma de um segmento de círculo. Em frente de Jesus, na parte interior
do semicírculo, havia um lugar livre, para servir os pratos. Se bem me lembro,
estavam à direita de Jesus: João, Tiago o Maior e Tiago o Menor; no lado
estreito, à direita, Bartolomeu; em seguida, no semicírculo interior, Tomé e
Judas Iscariotes; à esquerda, Simeão e perto deste, no lado interior, Mateus e
Filipe.
No meio
da mesa, numa travessa, estava o cordeiro pascal. A cabeça repousava-lhe sobre
os pés dianteiros, postos em forma de cruz, as pernas traseiras estavam estendidas;
a margem da travessa, em roda do cordeiro, estava coberta de alho. Havia mais
uma travessa com o assado da Páscoa, a cada lado desta um prato com ervas verdes,
dispostas umas contra as outras, em pé e mais outro prato com tufos de ervas amargas,
semelhantes a erva de bálsamo. Diante de Jesus havia um prato com ervas de cor
verde-amarelada e outro com molho escuro. Pães redondos serviam de pratos para
os convivas, que usavam facas de osso.
Depois
da oração, o mordomo pôs na mesa, diante de Jesus, a faca para trinchar o
cordeiro. Pós também diante de Nosso Senhor um copo de vinho e encheu de um
jarro seis copos, cada um para dois discípulos. Jesus benzeu o vinho e bebeu,
os Apóstolos beberam, dois a dois em cada copo. O Senhor trinchou o cordeiro;
os
Apóstolos
apresentaram cada um com o seu bolo redondo, com uma espécie de gancho,
recebendo cada um a sua parte. Comeram-na apressadamente, separando a carne dos
ossos com as facas de osso.
Os
ossos descarnados foram depois queimados. Comeram também às pressas do alho e
da verdura, que ensoparam no molho. Comeram o cordeiro pascal em pé, reclinados
apenas um pouco aos encostos dos assentos. Jesus partiu também um dos pães
ázimos, recobrindo uma parte; o resto distribuiu. Comeram todos então os respectivos
bolos. Trouxeram ainda um cálice de vinho, mas Jesus não bebeu mais. Disse:
Tomai este vinho e reparti-o entre vós, pois não beberei mais vinho, até chegar
o reino de Deus. Tendo bebido dois a dois, cantaram e em seguida Jesus ainda
rezou e ensinou; finalmente todos lavaram as mãos. Só então se deitaram nos assentos.
Tudo que precedeu, foi feito muito depressa, ficando os convivas em pé; somente
ao fim se encostaram um pouco aos assentos.
O
Senhor trinchara também outro cordeiro, que foi depois levado para as santas
mulheres, a um dos edifícios laterais do pátio, onde tomaram a ceia. Comeram
ainda ervas e alface com molho. Jesus estava extraordinariamente amável e
sereno; nunca o tinha visto assim. Disse também aos Apóstolos que esquecessem
tudo que os pudesse angustiar. A SS. Virgem, à mesa das mulheres, estava também
muito serena. Comoveu-me profundamente ver como se virava com tanta
simplicidade, quando as outras mulheres se lhe aproximavam, puxando-a pelo véu,
para lhe falarem.
A
princípio Jesus conversou muito amavelmente com os Apóstolos, enquanto ceavam;
mas depois se tornou mais sério e triste. "Um de vós me atraiçoará, disse,
cuja mão está comigo à mesma mesa."
Jesus
serviu alface, de que havia só um prato, àqueles que lhe estavam ao lado; encarregou
a Judas, que lhe ficava quase em frente, de distribuí-Ia pelo outro lado. Os
Apóstolos assustaram-se muito, quando Jesus falou do traidor, dizendo: "Um
que está comigo à mesma mesa", ou "que mete a mão no mesmo prato comigo",
o que quer dizer: "Um dos doze que comigo comem e bebem, um daqueles com
os quais parto o meu pão." Com essas palavras não indicou Judas aos
outros; pois - "meter a mão no mesmo prato" - era uma alocução geral,
indicando relações da maior intimidade.
Contudo,
quis também dar um aviso a Judas, que no mesmo momento de fato meteu com o
Salvador a mão no mesmo prato, para distribuir alface. Jesus disse ainda:
"O Filho do Homem vai certamente para a morte, como está escrito a respeito
dele, mas ai do homem por quem será traído! Melhor fora nunca haver nascido.”
Os
Apóstolos ficaram muito perturbados e perguntaram um após outro: "Senhor,
sou eu?" pois todos bem sabiam que nenhum compreendera o sentido daquelas
palavras. Pedro inclinou-se para João, por detrás de Jesus e fez-lhe um sinal,
para perguntar ao Senhor quem era; pois tendo sido censurado tantas vezes por
Jesus, receava que se referisse a ele. Ora, João estava deitado à direita do
Senhor e, como todos comiam com a mão direita, encostando-se sobre o braço
esquerdo, estava ele com a cabeça perto do peito de Jesus. Aproximou mais a
cabeça do peito do Mestre e perguntou-lhe: Senhor, quem é? Então lhe foi
revelado que o Senhor se referia a Judas. Não vi Jesus pronunciar as palavras:
"É aquele a quem dou o bocado de pão molhado"; não sei se o disse
muito baixo a João; este, porém, o percebeu, quando Jesus molhou o pão envolvido
em alface e afetuosamente o ofereceu a Judas, que justamente nesse momento
perguntava também: "Senhor, sou eu?"
Jesus
olhou-o com muito amor e deu-lhe uma resposta concebida em termos gerais. Era
entre os Judeus sinal de amizade e intimidade; Jesus fê-lo muito afetuosamente,
para exortá-lo, sem o comprometer perante os outros. Judas, porém, estava com o
coração cheio de raiva. Vi, durante toda a ceia, uma pequena figura hedionda
sentada aos seus pés, a qual algumas vezes lhe subiu até o coração. Não percebi
se João repetiu a Pedro o que ouvira de Jesus; mas vi que o sossegou com um
olhar.
O
Lava-pés
Levantaram-se
da mesa e, enquanto mudavam e arranjavam as vestes, como costumavam fazer antes
da oração solene, entrou o mordomo, com dois criados, para levar a mesa,
tirá-la do meio dos assentos que a cercavam e pô-Ia ao lado. Tendo feito isso,
recebeu ordem de Jesus para trazer água ao vestíbulo e saiu da sala, com os
dois criados. Jesus, em pé no meio dos Apóstolos, falou-lhes muito tempo em tom
solene. Mas tenho até agora visto e ouvido tantas coisas, que não é possível
relatar com exatidão a matéria de todos os discursos. Lembro-me que falou do
seu reino, de sua ida para o Pai, prometendo deixar-lhes tudo o que possuía,
etc. Também pregou sobre a penitência, exame e confissão das faltas, arrependimento
e purificação. Tive a impressão de que essa instrução se relacionava com o
lava-pés e vi também que todos conheceram os seus pecados e se arrependeram,
com exceção de Judas. Esse discurso foi longo e solene. Tendo terminado, Jesus mandou
João e Tiago o Menor trazerem a água do vestíbulo, ordenando aos Apóstolos que
colocassem os assentos em semicírculo, Ele próprio foi ao vestíbulo, despiu o
manto e arregaçando a túnica, cingiu-se com um pano de linho, cuja extremidade
mais longa pendia para baixo.
Durante
esse tempo tiveram os Apóstolos uma discussão, sobre qual deles devia ter o
primeiro lugar; como o Senhor lhes anunciara claramente que os ia deixar e que
o seu reino estava perto, surgiu de novo entre eles a opinião de que Jesus
tinha aspirações secretas, um triunfo terrestre, que se realizaria no último momento.
Jesus,
que estava no vestíbulo, deu ordem a João para tomar uma bacia e a Tiago o
Menor para trazer um odre cheio de água, transportando-o diante do peito, de
modo que o bocal pendesse sobre o braço. Depois de ter derramado água do odre
na bacia, mandou que os dois O seguissem à sala, onde o mordomo tinha posto no
meio outra bacia maior, vazia.
Entrando
pela porta da sala, de forma humilde, Jesus censurou os
Apóstolos
em poucas palavras, por causa da discussão havida antes entre eles, dizendo,
entre outras coisas, que Ele mesmo queria servir-lhes de criado, que tomassem
os assentos, para que lhes lavasse os pés. Então se sentaram, na mesma ordem em
que foram colocados à mesa, tendo sido os assentos dispostos em semicírculo.
Jesus, indo de um a outro, derramou-lhes sobre os pés água da bacia, que João
sucessivamente colocava sob os pés de cada um. Depois tomava o Mestre a extremidade
da toalha de linho, com que estava cingido e enxugava-lhes os pés com ambas as
mãos. Em seguida se aproximava, com Tiago, do Apóstolo seguinte. João esvaziava
de cada vez a água usada, na grande bacia que estava no meio da sala e Jesus
enchia de novo a bacia, com água do odre que Tiago segurava, derramando-a sobre
os pés do Apóstolo e enxugando-os.
O Senhor, que durante toda a ceia pascal se
mostrara singularmente afetuoso, desempenhou-se também desta humilde função com
o mais tocante amor. Não o fazia como uma cerimônia, mas como ato santo de
caridade, exprimindo nele todo o seu amor.
Quando
chegou a Pedro, este quis recusar, dizendo: "Senhor, Vós me quereis lavar
os pés?". Disse, porém, o Senhor: "Agora não entendes o que faço, mas
entendê-lo-ás no futuro." Pareceu-me que lhe disse em particular:
"Simão, tens merecido aprender de meu
Pai
quem sou eu, donde venho e para onde vou; só tu o tens conhecido e confessado;
por isso, construirei sobre ti a minha Igreja, e as portas do inferno não
prevalecerão contra ela. O meu poder há de ficar também com os teus sucessores,
até o fim do mundo." Jesus indicou-o aos outros, dizendo-lhes que Pedro
devia substituí-lo na administração e no governo da Igreja, quando Ele tivesse
saído deste mundo. Pedro, porém, disse: "Vós não me lavareis jamais os pés."
O Senhor respondeu-lhe: "Se eu não os lavar, não terás parte em mim."
Então lhe disse Pedro: "Senhor, não me lavareis somente os pés, mas também
as mãos e a cabeça." Jesus respondeu: "Quem foi lavado, é puro no
mais; não é preciso lavar senão os pés.
Vós
também estais limpos, mas não todos." Com estas palavras referiu-se a
Judas.
Jesus,
ensinando sobre o lava-pés, disse que era uma purificação das faltas
quotidianas, porque os pés, caminhando descuidadamente na terra, se sujavam
continuamente.
Esse banho dos pés era espiritual e uma
espécie de absolvição.
Pedro,
porém, viu nele apenas uma humilhação muito grande para o Mestre; não sabia que
Jesus, para salvá-lo e aos outros homens, se humilharia na manhã seguinte até à
morte ignominiosa da Cruz.
Quando
Jesus lavou os pés de Judas, mostrou-lhe uma afeição comovedora; aproximou o rosto
dos pés do Apóstolo infiel, disse-lhe muito baixo que se arrependesse, pois que
já por um ano pensava em tornar-se infiel e traidor. Judas, porém, parecia não querer
perceber e falava com João. Pedro irritou-se com isso e disse-lhe: "Judas,
o Mestre fala-te." Então disse Judas algumas palavras vagas e evasivas a
Jesus, como: "Senhor, tal coisa nunca farei.”
Os
outros não perceberam as palavras que Jesus dissera a Judas, pois falara baixo
e eles não prestaram atenção; estavam ocupados em calçar as sandálias. Nada, em
toda a Paixão, afligiu tão profundamente o Senhor como a traição de Judas.
Jesus lavou depois ainda os pés de João e Tiago. Primeiro, se sentou Tiago e
Pedro segurou o odre de água, depois se sentou João e Tiago segurou a bacia.
Jesus
ensinou ainda sobre a humildade, dizendo que aquele que servia aos outros, era
o maior de todos e que dali em diante deviam lavar humildemente os pés uns aos
outros; tocou ainda na discussão sobre qual deles havia de ser o maior, dizendo
muitas coisas que se encontram também no Evangelho.
"Sabeis
o que vos fiz? Vós me chamais Mestre e Senhor e dizeis bem, porque o sou. Se
eu, sendo vosso Senhor'e Mestre, vos lavei os pés, logo deveis também lavar os
pés uns aos outros. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu fiz, assim
façais vós também. Em verdade, em verdade, vos digo: não é o servo maior do que
o seu Senhor, nem o enviado é maior do que aquele que o enviou. Se sabeis estas
coisas, bem-aventurados sereis se também as praticardes. Não digo isto de todos
vós; sei os que tenho escolhido; mas é necessário que se cumpra o que diz a Escritura:
"O
que come o pão comigo, levantará contra mim o calcanhar." Desde agora vos
digo, antes que suceda; para que, quando suceder, creiais que sou eu. Em
verdade, em verdade vos digo: O que recebe aquele que eu enviar, a mim me recebe;
e o que me recebe a mim, recebe Aquele que me enviou." (Jo. 13, 12 - 20).
Jesus
vestiu de novo as vestes. Os Apóstolos desenrolaram também as vestes, que antes
tinham arregaçado, para comer o cordeiro pascal.
Instituição
da Sagrada Eucaristia
Por
ordem do Senhor, o mordomo pusera novamente a mesa e colocara-a um pouco mais
alto e no meio, coberto de um tapete, sobre o qual estendera uma toalha vermelha
e em cima desta, outra branca, bordada a crivo. Por baixo da mesa pôs um jarro
de água e outro de vinho.
Pedro e
João, indo à parte da sala onde era o fomo do Cordeiro pascal, buscaram o
cálice que haviam trazido da casa de Seráfia.
Transportaram-no
solenemente, dentro do invólucro; eu tinha a impressão de que carregavam um Tabernáculo.
Colocaram-no sobre a mesa, diante de Jesus. Havia também um prato. oval, com
três pães ázimos, brancos e delgados, marcados com sulcos regulares; eram por
estes divididos em três partes, no sentido da largura e no duplo de partes da
largura, no sentido do comprimento. Os pães estavam cobertos. Jesus já lhes
fizera ligeiras incisões, durante a ceia pascal, para parti-Ios mais facilmente
e pusera por baixo da toalha a metade do pão partido no banquete pascal.
Estavam
também sobre a mesa um cântaro de água e outro de vinho, como também três
vasos, um com óleo grosso, outro com azeite, o terceiro vazio e mais uma
espátula.
Desde
os antigos tempos reinava o costume de partir o pão e beber do mesmo cálice no
fim do banquete; era sinal de fraternidade e amor, usado por ocasião de boa vinda
e despedida. Creio que há alguma coisa a este respeito também na Escritura
Sagrada. Jesus, porém, elevou esse uso à dignidade do Santíssimo Sacramento.
Até então tinha sido somente um rito simbólico e figurativo. Pela traição de
Judas foi levado ao tribunal também a acusação de ter Jesus juntado alguma coisa
nova às cerimônias da Páscoa; Nicodemos, porém, provou com trechos da Escritura
Sagrada, que esse uso de despedida era muito antigo.
O lugar
de Jesus era entre Pedro e João. As portas estavam fechadas; tudo se fez com
solenidade misteriosa. Depois de se haver tirado do cálice o invólucro e levado
à parte separada da sala, rezou Jesus, falando num tom solene. Vi que lhes
explicava todas as santas cerimônias da última ceia; era como se um sacerdote
ensinasse aos outros a santa Missa.
Em
seguida tirou da bandeja em que estavam os vasos, um tabuleiro corrediço, tomou
o pano de linho que cobria o cálice e estendeu-o sobre o tabuleiro. Depois o vi
tirar do cálice uma patena redonda e pô-la sobre o tabuleiro coberto. Tirou
então os pães que estavam ao lado, num prato coberto com um pano de linho e
colocou-os na patena, diante de si. Os pães, que tinham a forma de um quadrilátero
oblongo, excediam dos dois lados a patena, cuja borda, porém, permanecia visível
na largura. Em seguida puxou para si o cálice, tirou dele um copinho, colocando
também os seis copos pequenos à direita e esquerda do cálice. Depois benzeu o pão
ázimo e, creio, também os óleos, que estavam ao lado, levantou a patena, em que
estavam os pães ázimos, com ambas as mãos, olhou para o céu, rezou e ofereceu-o
a Deus, pôs a patena no tabuleiro e cobriu-a. Depois tomou o cálice, mandou
Pedro derramar vinho e João derramar água, que antes benzera e juntou ainda um
pouco de água, que colheu com a colherzinha. Benzeu o cálice, levantou-o,
ofereceu-o, rezando e colocou-o no tabuleiro.
Mandou
a Pedro e João derramarem-Lhe água sobre as mãos, por cima do prato em que
anteriormente foram postos o pães ázimos e, tirando a colherzinha do pé do
cálice, apanhou um pouco da água que lhe correra sobre as mãos e espargiu-a
sobre as mãos dos dois Apóstolos. Depois passou o prato em redor da mesa e
todos lavaram nele as mãos. Não me lembro bem se foi essa a ordem exata das cerimônias;
mas tudo isso, que me lembrou muito o santo Sacrifício da Missa, comoveu-me
profundamente.
Durante
esse santo ato tomou-se Jesus cada vez mais afetuoso; disse-lhes que agora
queria dar-lhes tudo que tinha: sua própria pessoa. Era como se derramasse sobre
eles todo o seu amor e vi-O tomar-se transparente; parecia uma sombra luminosa.
Orando
com esse amor, partiu o pão nas partes marcadas, as quais amontoou sobre a
patena, em forma de pirâmide. Do primeiro bocado quebrou um pedacinho com a ponta
dos dedos e deixou-o cair no cálice.
No
momento em que o fez, tive a impressão de que a SS. Virgem recebeu o Santo
Sacramento espiritualmente, apesar de não estar ali presente. Não sei agora como
o vi; mas pensei vê-Ia entrar pela porta, sem tocar no chão e aproximar-se de
Jesus, do lado desocupado da mesa e receber o santo Sacramento em frente d'Ele;
depois não a vi mais. Jesus dissera-lhe de manhã, em Betânia, que celebraria a
Páscoa junto com ela, marcando-lhe a hora em que, recolhida em oração, devia
recebê-Ia espiritualmente.
O
Senhor rezou ainda e ensinou; todas as palavras lhe saíram da boca como fogo e
luz e entraram nos Apóstolos, com exceção de Judas. Depois tomou a patena com
os bocados de pão (não sei, mais se a tinha posto sobre o cálice) e disse:
"Tomai e comei, isto é o meu corpo, que será entregue por vós." Nisso
estendeu a mão direita como para benzer e, enquanto assim fazia, saiu d’Ele um esplendor,
suas palavras eram luminosas e também o era o pão que se precipitou na boca dos
Apóstolos, como um corpo resplandecente; era como se Ele mesmo entrasse neles.
Vi-os todos penetrados de luz; só Judas vi escuro. O Senhor deu o Sacramento primeiro
a Pedro, depois a João; em seguida fez sinal a Judas para aproximar-se; foi o
terceiro, a quem deu o SS. Sacramento. Mas a palavra do Cristo parecia recuar
da boca do traidor. Fiquei tão horrorizada, que não posso exprimir o que senti
nesse momento. Jesus, porém, disse-lhe: "Faze já o que queres fazer" e
continuou a dar o Santo Sacramento aos Apóstolos, que se aproximaram dois a
dois, segurando alternadamente, em frente um do outro, um pequeno pano engomado,
bordado nos lados, o qual cobria o cálice.
Jesus
levantou o cálice pelas duas argolas até a altura do rosto e pronunciou as
palavras da consagração sobre ele. Nesse ato ficou transfigurado e como
transparente, parecendo passar tudo o que lhes deu. Fez Pedro e João beberem do
cálice, que segurava nas mãos, colocando-o depois na mesa; João passou com a
colherzinha o SS. Sangue do cálice para os copinhos, que Pedro ofereceu aos
Apóstolos,
os quais beberam dois a dois de um copo. Creio, mas não tenho absoluta certeza,
que Judas também participou do cálice; não voltou, porém, ao seu lugar mas saiu
imediatamente do Cenáculo. Como Jesus lhe tivesse feito um sinal, pensaram os
outros que o tivesse encarregado de algum negócio. Retirou-se sem ter rezado e
feito a ação de graças, por onde se vê como é mau retirar-se sem ação de
graças, depois de tomar o pão quotidiano ou o Pão Eterno. Durante toda a
refeição, eu tinha visto ao pé de Judas a figura de um pequeno monstro vermelho
e hediondo, cujopé era como um osso descarnado e que às vezes lhe subia até o
coração. Quando saiu da casa, vi três demônios cercarem-no: um entrou-lhe na
boca, outro empurrou-o para a frente e o terceiro correu-lhe à frente. Era
noite e eles pareciam alumiá-lo; Judas corria como um louco.
O
Senhor deitou o resto do Santíssimo Sangue, que ainda ficara no fundo do
cálice, no copinho que antes estivera dentro do cálice; pondo depois os dedos
por cima do cálice, mandou Pedro e João derramarem água e vinho sobre eles.
Feito isso, fê-los beber ambos do cálice e o resto vazou-os nos outros
copinhos, distribuindo-os pelos outros Apóstolos. Em seguida Jesus enxugou o
cálice, meteu nele o pequeno copo, contendo o resto do Santíssimo Sangue,
colocou em cima a patena, com os restantes pães ázimos consagrados pôs a tampa
e cobriu o cálice de novo com o pano, colocando-o depois sobre a bandeja, entre
os seis copinhos.
Vi os
Apóstolos comungarem dos restos do Santíssimo Sacramento, depois da
ressurreição de Jesus.
Não me
lembro de ter visto o Senhor comer as espécies consagradas, a não ser que eu
não reparasse. Dando o Santíssimo Sacramento, deu-se de modo que parecia sair
de si mesmo e derramar-se nos Apóstolos, numa efusão de amor misericordioso.
Não sei como posso exprimi-lo.
Também
não vi Melquisedec, quando ofereceu pão e vinho, comê-lo e bebê-lo. Soube
também porque os sacerdotes o consomem, apesar de Jesus não o ter feito.
Dizendo
isso, Catharina Emmerich virou de repente a cabeça, como para escutar; recebeu
uma explicação sobre esse ponto, da qual pôde comunicar somente o seguinte:
"Se fosse administrado pelos Anjos, estes não o teriam recebido; se,
porém, os sacerdotes não o recebes sem, já se teria perdido há muito; por isso
é que se conserva.”
Todas
as cerimônias, durante a instituição do SS. Sacramento, foram feitas por Jesus
com muita calma e solenidade, para ao mesmo tempo ensinar e instruir os
Apóstolos, os quais vi depois tomarem notas de certas coisas, nos pequenos
rolos que tinham consigo.
Todos
os movi mentos de Jesus, para a direita e para a esquerda, eram solenes, como
sempre que estava rezando. Tudo mostrava em geral o santo Sacrifício da Missa.
Durante a cerimônia e em outras ocasiões, vi também os Apóstolos se inclinarem
uns diante dos outros ao aproximarem-se, como ainda fazem os sacerdotes de
hoje.
8.
Instruções secretas e consagrações
Jesus
deu ainda instruções secretas. Disse aos Apóstolos que continuassem a consagrar
e administrar o SS. Sacramento, até o fim do mundo. Ensinou-lhes as formas
essenciais da administração e do uso do Sacramento e de que modo deviam
gradualmente ensinar e publicar esse mistério; explicou-lhes quando deviam
receber o resto das espécies consagradas e dá-Io à SS. Virgem e que deviam
consagrar também o SS. Sacramento, depois de lhes ter enviado o Divino
Consolador.
Instruiu-os
em seguida sobre o sacerdócio, sobre a preparação do Crisma e dos santos óleos
e sobre a unção. Estavam ao lado do cálice três umas, duas das quais continham
misturas de bálsamo e diversos óleos e algodão; as umas podiam ser postas uma
em cima da outra. Jesus ensinou-lhes muitos mistérios, como se devia preparar o
santo Crisma, a que partes do corpo se devia aplicar e em que ocasiões.
Lembro-me, entre outras coisas, que mencionou um caso em que a sagrada
Eucaristia não podia mais ser recebida; talvez se tenha referido à
Extrema-Unção: mas as minhas lembranças a tal respeito não são muito claras.
Falou ainda de diversas unções, inclusive a dos reis e disse que os reis
sagrados com o Crisma, mesmo os injustos, possuíam uma força interna
misteriosa, que não era dada aos outros. Derramou, pois, unguento e óleo na uma
vazia e misturou-os; não sei mais positivamente se foi nesse momento ou já por
ocasião da consagração dos pães, que benzeu o óleo.
Vi depois
Jesus ungir a Pedro e João; já por ocasião da instituição do SS. Sacramento
lhes derramara sobre as mãos a água que sobre as suas lhe correra e os fizera
também beber do cálice que Ele mesmo segurava.
Saindo
do meio da mesa, um pouco para o lado, pousou as mãos primeiro sobre os ombros
e depois sobre a cabeça de Pedro e João.
Em
seguida mandou que ficassem de mãos postas e colocassem os polegares em forma
de cruz. Inclinaram-se os dois Apóstolos profundamente diante do Mestre (não
sei ai estavam de joelhos).
O
Senhor uniu-lhes os polegares e indicadores com unguento e fez-lhes com o mesmo
também o sinal da cruz na cabeça. Disse-lhes também que essa unção devia
permanecer com eles até o fim do mundo.
Tiago o
Menor, André, Tiago o Maior e Bartolomeu receberam também ordens. Vi também o
Senhor ajustar em forma de cruz, sobre o peito de Pedro, a faixa estreita de
pano, que todos traziam ao pescoço; aos outros, porém, do ombro direito para
debaixo do braço esquerdo. Não sei mais com certeza se isso se fez já por
ocasião da instituição do SS. Sacramento ou só na hora da unção.
Vi,
porém, que Jesus lhes comunicou com essa unção uma coisa real e também
sobrenatural, não sei como exprimí-Io em palavras. Disse-Ihes mais que, depois
de terem recebido o Espírito Santo, deviam também consagrar pão e vinho e dar a
unção aos outros Apóstolos. Nesse momento tive uma visão sobre Pedro e João
que, no dia de Pentecostes, antes do grande batismo, impuseram as mãos aos
outros Apóstolos, o que também fizeram, uma semana depois, a alguns outros
discípulos. Vi também João, depois da ressurreição de Jesus, dar pela primeira
vez o SS. Sacramento a Nossa Senhora. Esse acontecimento foi celebrado pelos
Apóstolos com grande solenidade; a Igreja militante não tem mais essa festa,
mas vejo-a celebrada ainda na Igreja triunfante. Nos primeiros dias depois de
Pentecostes vi só Pedro e João consagrarem a santa Eucaristia, mais tarde a
consagraram também os outros.
O
Senhor benzeu-lhes também fogo, num vaso de bronze; esse fogo desde então ardeu
sempre, até depois de longas ausências era guardado junto ao lugar onde se
conservava o SS. Sacramento, numa parte do antigo fogão pascal; ali sempre o
buscavam para as cerimônias religiosas.
Tudo
que Jesus fez por ocasião da instituição da sagrada Eucaristia e da unção dos
Apóstolos, foi debaixo de grande segredo e era também ensinado só secretamente
e tem se conservado, na sua essência, pela Igreja até os nossos tempos,
aumentado, porém, sob a inspiração do Espírito Santo, conforme as necessidades.
Os
Apóstolos ajudaram na preparação e bênção do santo Crisma; quando Jesus os
ungiu e lhes impôs as mãos, fez tudo com grande solenidade.
Terminadas
as santas cerimônias, o cálice, perto do qual estavam também os santos óleos,
foi coberto com a capa e Pedro e João levaram assim o SS. Sacramento para o
fundo da sala, separado do resto por uma cortina e ali era desde então o
Santuário. O SS. Sacramento estava por cima do fogão pascal, não muito alto.
José de Arimatéia e Nicodemos cuidavam do Santuário e do Cenáculo, na ausência
dos Apóstolos.
Jesus
ensinou ainda por muito tempo e disse algumas orações com grande fervor.
Parecia às vezes conversar com o Pai celeste, cheio de entusiasmo e amor. Os
Apóstolos também ficaram penetrados de zelo e ardor e fizeram-lhe várias
perguntas, às quais respondeu.
Creio
que tudo isso está escrito em grande parte na Escritura Sagrada. Durante esses
discursos, disse Jesus algumas coisas a Pedro e João separadamente, as quais
estes depois deviam comunicar aos outros Apóstolos, como complemento de
instruções anteriores e estes aos outros discípulos e às santas mulheres,
quando chegassem ao tempo de receberem tais conhecimentos. Pedro e João estavam
sentados perto de Jesus. O Senhor teve também uma conversa particular com João,
da qual me lembro agora apenas o prognóstico de que a vida deste Apóstolo seria
mais longa que a dos outros; falou-lhe também de sete Igrejas, de coroas, Anjos
e outras figuras simbólicas, com as quais designava, como me parece, certas
épocas. Os outros Apóstolos sentiram, diante dessa confiança particular, um
leve movimento de inveja.
O
Mestre falou também diversas vezes do traidor, dizendo o que naquela hora este
estava fazendo; vi sempre Judas fazer o que o Senhor dizia. Como Pedro lhe
afirmasse, com grande ardor, que havia de permanecer fiel, disse-lhe Jesus:
"Simão, Simão, eis que Satanás vos reclama com instância, para vos joeirar
como o trigo; mas eu roguei por ti, afim de que tua fé não desfaleça; e tu
enfim, depois de convertido, confirma na fé teus irmãos." Como, porém,
Jesus dissesse que onde iria, não poderiam segui-lo, exclamou Pedro que o
seguiria até a morte. Replicou Jesus: "Em verdade, antes que o galo cante
duas vezes, tu me negarás três vezes," Quando lhes anunciou os tempos duros
que viriam, perguntou-lhes:
"Quando
vos enviei sem alforje, sem sapatos, faltou-lhes porventura alguma coisa?"
Responderam: "Não." Disse, porém, que daquela hora em diante, quem
tivesse bolsa, a tomasse e também alforje e o que nada tivesse, vendesse a
túnica e comprasse espada, pois que se devia cumprir a palavra: "E foi
reputado por um dos iníquos". Tudo que fora escrito sobre Ele, devia
cumprir-se então.
Os
Apóstolos entenderam-no no sentido natural e Pedro mostrou Lhe duas espadas
curtas e largas, como cutelos.
Jesus disse:
"Basta, vamo-nos daqui." Rezaram então um cântico; a mesa foi posta
ao lado e dirigiram-se todos ao vestíbulo.
Ali se
aproximaram a mãe de Jesus, Maria de Cleofas e Madalena, que lhe pediram
instantemente que não fosse ao monte das Oliveiras; pois se propagara o boato
de que queriam apoderar-se dEle. Mas Jesus consolou-as com poucas palavras,
continuando apressadamente o caminho; eram cerca de 9 horas da noite. Descendo
a grandes passos pelo caminho pelo qual Pedro e João tinham vindo ao Cenáculo, dirigiram-se
ao monte das Oliveiras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário